Ministério Público/RS estabelece diretrizes sobre organizações sociais para os municípios do Estado
Em dezembro de 2018, o Ministério Público de Contas do Estado, juntamente com o Ministério Público do Estado, o Ministério Público do Trabalho - PRT4 e o Ministério Público Federal expediram Nota Técnica na qual manifestam os seus entendimentos sobre os processos de qualificação e celebração de contrato de gestão pelas Secretarias Municipais de Saúde com organizações sociais da saúde (OSS). A Nota Técnica foi dirigida ao Presidente da Federação Gaúcha dos Municípios (FAMURS), para que esse a encaminhasse aos municípios do Estado do Rio Grande do Sul; e contém diretrizes a serem observadas na contratualização com as OSS.
A notícia publicada no site do Ministério Público do Rio Grande do Sul (https://www.mprs.mp.br/noticias/48349/) informa que a intenção dos signatários foi orientar e facilitar a transparência e fiscalização para evitar fraudes nas contratações, falta de atendimento e ilegalidades, inclusive no aspecto trabalhista. De acordo com o Procurador-Geral de Justiça Fabiano Dallazen, "a construção da nota, de forma coletiva pelos MPs, a torna ferramenta de extrema importância para dar segurança a gestores e órgãos de controle".
O documento, que pode ser acessado em sua íntegra no link ao final desta matéria, contém várias orientações positivas, especialmente no que se refere aos cuidados essenciais que devem ser observados no processo de seleção da entidade a ser qualificada como parceira do Estado; assim como no acompanhamento, na avaliação e na supervisão da parceria e de seus resultados.
No entanto, na leitura da Nota Técnica é importante atentar para algumas incorreções cometidas por seus signatários, a exemplo do entendimento sobre a natureza das relações de colaboração inerentes às relações das Secretarias de Saúde com as organizações sociais de saúde. O documento, por diversas vezes, aborda o instituto da parceria como se fosse de contratação de serviços, desconsiderando as disposições da Lei nº 4.320, de 1964 que estabelece, no §2º do art.12, que as despesas do Poder Público, no âmbito das relações de colaboração com entidades civis, classificadas como transferências correntes, não correspondem à contraprestação de serviços, não havendo, portanto pagamento mas fomento público às entidades para o atingimento de metas de desempenho institucional alinhadas aos objetivos das políticas públicas de saúde.
Não se trata de apenas classificar corretamente a natureza da despesas, e sim de diferenciar as relações de colaboração entre o setor público e o setor privado não lucrativo das relações de contratação de serviços no mercado, regidas pela Lei nº 8.666, de 1993. Institutos jurídicos distintos que são, a parceria e fomento e a contratação regem-se por diferentes legislações que exigem do Poder Público a adoção de processos diferenciados de gestão, seja na seleção da entidade parceira ou contratada; no conteúdo dos ajustes; no cálculo do valor do fomento; e nos processos de acompanhamento, avaliação e fiscalização dos resultados.
Outro ponto a comentar sobre o conteúdo da Nota Técnica é o equivoco interpretativo do inciso VIII do art. 4º da Lei nº 9.637, de 1998, que instituiu o modelo em nível federal. O documento afirma que o mencionado Diploma Legal exige a apresentação de plano de cargos, salários e benefícios dos empregados, como um dos requisitos de qualificação da OSS; quando o que a Lei prevê como requisito é que o estatuto social da entidade a ser qualificada deve fixar a aprovação do referido plano como uma das atribuições privativas do Conselho de Administração da entidade, no qual o Poder Público tenha assento.
Também se observa o erro na leitura do inciso XXIV do art. 24 da Lei nº 8.666/1993. Nesse inciso, a Lei autoriza o Poder Público a celebrar contratos de prestação de serviços (e não contratos de gestão!) com organizações sociais por ele qualificadas, para a realização de objetos diversos dos previstos nos contratos de gestão já celebrados com essas entidades. Vale lembrar que não cabe a aplicação do instituto da licitação no processo de seleção de entidade a ser qualificada como OSS, conforme já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, em sede do julgamento da ADI nº 1.923, de 2015, impetrada contra a Lei Federal nº 9.637, de 1998.
Mencione-se, ainda, que a referida Nota Técnica aventa ser possível celebrar termo de fomento ou de colaboração entre as Secretarias de Saúde e entidades civis sem fins lucrativos, para a oferta de serviços de assistência à saúde à população, desconsiderando o contido no art. 3º da Lei Federal nº 13.019, de 2014 - o novo marco regulatório das organizações da sociedade civil, que afasta a aplicação das suas disposições às relações de colaboração entre Secretarias de Saúde e entidades civis sem fins lucrativos, para a participação complementar no âmbito do Sistema Único de Saúde, nos termos do §1º do art. 199 da Constituição Federal.
Os exemplos acima, assim como outras inconsistências presentes no texto da Nota Técnica recomendam a leitura crítica do documento; a se iniciar pela sua própria natureza que, sendo nota técnica, foi escrita em estrutura de resolução, com ares mandatários, determinando que suas disposições "entraram em vigor trinta dia após a sua assinatura" pelos signatários. Tais equívocos não invalidam, contudo, grande parte das orientações apresentadas aos gestores na condução dos processos de contratualização com OSS.
Acesse aqui a Nota Técnica nº 01/2018/MPE/MPC/MPT/MPF.
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