Município pode transferir recursos a entidade sem fins lucrativos para construir hospital
Notícia publicada em 25/02/2019.
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Paraná.
É possível a transferência voluntária de recursos públicos a entidade privada sem fins lucrativos para a construção de hospital voltado ao atendimento de média e alta complexidade, ainda que o município repassador seja habilitado junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) apenas em Gestão Plena de Atenção Básica.
No entanto, a ação de saúde deve ser compatível com as diretrizes da gestão compartilhada do SUS e essa construção com recursos públicos não pode ser realizada em terreno de terceiros. A prestação de contas da transferência deverá ser realizada por meio do Sistema Integrado de Transferências (SIT) do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, de acordo com a Resolução nº 28/2011 e a Instrução Normativa nº 61/2011 da corte de contas.
Essa é a orientação do Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo prefeito de Guarapuava, César Augusto Carollo Silvestri Filho (gestão 2017-2020). Na Consulta, o gestor municipal questionou a possibilidade de celebração de convênio entre o Poder Executivo e entidade filantrópica para a construção de centro de especialidade médica em oncologia, com atendimento de alta e média complexidade, mesmo se o município tiver apenas atendimento em atenção básica.
O gestor indagou, ainda, se poderiam ser repassados recursos para a construção parcial do centro oncológico em terreno não pertencente à entidade, diante da possibilidade de doação do terreno para a construção por terceiros; como deveria ser realizada a prestação de contas do convênio, em caso de repasse de valor parcial da obra; e se o convênio poderia ter vigência de 24 meses, com repasses parcelados.
Instrução do processo
O parecer da assessoria jurídica da Prefeitura de Guarapuava defendeu a possibilidade da realização do convênio, já que não existiria previsão contrária na legislação que rege a matéria.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR manifestou-se pela impossibilidade de a construção ser realizada em terreno de particular. A unidade técnica detalhou os requisitos para a prestação de contas do convênio e afirmou ser possível a fixação do prazo de 24 meses.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) acompanhou a manifestação da CGM; e destacou que não haveria impedimento da realização de tal convênio por município que não detém a Gestão Plena do Sistema de Saúde.
Legislação
Segundo a Constituição Federal (CF/88), o direito à saúde é assegurado ao cidadão e deve ser prestado pelo Estado - sentido amplo -, por meio de um sistema único (artigo 198), que deve ter como diretrizes a descentralização; o atendimento integral, com prioridade para atividades preventivas; e a participação da comunidade.
Deste comando constitucional originou-se o SUS, que abrange ações e serviços de saúde prestados por instituições federais, estaduais e municipais, que podem ser complementadas pela iniciativa privada, nos termos do artigo 4º da Lei nº 8.080/90 (Lei do SUS). Os artigos 16, 17 e 18 dessa lei atribuem competências diferenciadas às três esferas da federação.
O Decreto nº 7.508/11, que regulamentou a Lei nº 8.080/90, dispõe sobre a organização do SUS e o planejamento das ações de saúde, tendo como pressuposto a articulação entre os entes federativos.
O artigo 199 da CF/88 estabelece que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada; e que as instituições privadas poderão participar de forma complementar ao SUS, segundo as diretrizes do sistema, mediante contrato de direito público ou convênio, com preferência para as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. O artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei nº 8.080/90 ratifica que a atuação da iniciativa privada junto ao SUS se dará de forma complementar.
A Portaria nº 1.034/10 do Ministério da Saúde regula contratualização dos gestores do SUS com os prestadores de saúde privados, seja por convênio ou por contrato administrativo, para a complementação dos serviços, que decorre essencialmente da insuficiência da prestação dos serviços pelo Estado.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Nestor Baptista, afirmou que não são admitidas iniciativas desconectadas no âmbito do SUS, justamente para que os recursos públicos sejam utilizados racionalmente e não haja a sobreposição de serviços. Ele ressaltou que nenhum dos entes da federação pode agir com ampla discricionariedade, sem qualquer preocupação com as políticas e estratégias estabelecidas para o aperfeiçoamento do SUS, apesar de a prestação da saúde ser de responsabilidade de todos.
O conselheiro destacou, portanto, que a ação de saúde deve ser compatível com as diretrizes da gestão compartilhada do SUS, sob pena de violação ao princípio da eficiência (artigo 37 da CF/88).
Baptista lembrou, ainda, que o artigo 10, parágrafo 1º, da Resolução nº 28/2011 do TCE-PR fixa, como condições para a transferência de recursos com a finalidade questionada, que o imóvel seja pertencente à própria entidade sem fins lucrativos. Além disso, ele frisou que o artigo 33, III, da Lei nº 13.019/14 estabelece que o estatuto social da entidade beneficiária deve prever, no caso de extinção ou cessação de atividades, que seu patrimônio seja transferido a instituição congênere ou ao poder público.
Finalmente, o conselheiro decidiu que a construção do imóvel não pode ser realizada em terreno de terceiro, não há vedação legal quanto ao prazo de duração indagado pelo consulente e a prestação de contas deverá ser realizada por meio do SIT do TCE-PR.
Os conselheiros aprovaram por unanimidade o voto do relator, na sessão do Tribunal Pleno de 12 de dezembro. O Acórdão nº 3790/18 - Tribunal Pleno foi publicado em 8 de janeiro, na edição nº 1.973 do Diário Eletrônico do TCE-PR, veiculado no portal www.tce.pr.gov.br.